segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Às vezes penso



Às vezes penso que não há chuva que me chegue, momentos que me bastem, nem sequer recordações de risos que me preencham. Por outras palavras: sinto-me permanentemente vazio mas, simultaneamente, com um estranho lastro que me impede de voar, sequer andar, sequer querer o que quer que seja, adiando-me para outro século.

Às vezes também penso que seria fácil desculpabilizar-me, desculpabilizar-te, dizer a mim mesmo (dentro do espírito de “o copo partiu-se”, como se existissem copos com instintos suicidas…) que as decisões se tomaram, em vez de assumir que foram efetivamente tomadas ou, no mínimo, aceites. Também seria fácil ficar à espera que algo acontecesse, tentando apenas manter-me à tona da mágoa, não me asfixiando na angústia enquanto teu nome placidamente me percorre as veias, como lâmina sem destino.

Mas, felizmente, às vezes não penso. Por isso deixo-me arrastar pela suave ondulação do rio que foi nosso por breves mas incendiados momentos, pelas invisíveis correntes com que ele me abraça e que, todos os dias, inexplicável e implacavelmente, me arrastam até teus lábios de nuvem distante, onde me afogo lentamente com um ingénuo sorriso de criança.

Confesso também: às vezes não penso em mais nada que teu corpo que, num estranho parto e em dias de milagre, nasce dos meus olhos sob a forma de lágrima. E aí espero – por mais que eu o queira racionalmente contrariar - de novo por ti. Por ti Mulher, por ti Sonho, por ti Desejo – seja o que for, no entanto por certo maiúsculo.



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Às vezes penso

Às vezes penso que não há chuva que me chegue, momentos que me bastem, nem sequer recordações de risos que me preencham. Por outras palavras...